Camila Beni: “Existe trabalho que nos dá mais sentido do que esse?”
Camila Beni é Program Manager da Smile Train Brasil. Nesta oportunidade, ela conta sobre seu desempenho na ONG, os novos desafios do tratamento de fissura labiopalatina no contexto de pandemia, suas lembranças favoritas com a Smile Train e muito mais.
Como chegou na ST?
Durante o meu mestrado em Direitos Humanos em Londres, eu participei de um evento da área. Durante o evento eu conversei com um senhor sobre organizações de direitos humanos. Ele comentou sobre uma que ele admirava muito, uma que não via somente a questão pontual do direito que não esta sendo alcançado, mas que também trabalhava de forma que o publico em questão pudesse ter uma real chance de ser atuante na sua comunidade quando adulto. E que, consequentemente iria, ao longo dos anos, ajudar na mudança de uma sociedade. Ele me introduziu à Smile Train.
Alguns anos depois, vi uma vaga sendo anunciada para o Brasil. Não pensei duas vezes, e me inscrevi. E graças a Deus, passei. E hoje trabalho naquela organização que aquele senhor, com tanta admiração, me apresentou.
Como descreveria o que faz?
Como descreveria o que faz? Como gerente de programas eu sou responsável por todos os programas da ST no Brasil. Pelo desenvolvimento, crescimento deles na região, de forma que possam atender as demandas dos pacientes sempre tendo a segurança e qualidade como guias norteadores. Uma parte crucial do meu trabalho é estar próxima e atenta aos 40 parceiros da minha região. Pois, é entendendo a realidade e as necessidades de cada um que, é possível agir de forma estratégica, tendo como objetivo a ajuda aqueles que necessitam, os pacientes fissurados.
Quais foram os desafios na hora de adaptar seu trabalho a situação atual?
O COVID-19 trouxe muitos impactos ao tratamento de fissura. Todos os nossos parceiros tiveram seus centros de fissura fechados por tempo indeterminado e as cirurgias suspensas. E isso foi um grande desafio, pois os pacientes, de uma hora para outra, passaram a não ter mais seus centros – para realizarem o tratamento, sanarem dúvidas, etc. Ademais, pais com filhos recém nascidos (os quais tem fissura) passaram a não saber mais aonde ir para ter informações do que é a fissura e como proceder. E isso, os leva a buscar informações erradas na internet o que pode ter um impacto grande e atrapalhar muito a vida de seus filhos.
Como criar sorrisos durante a pandemia?
Preocupados com a nova realidade que o COVID-19 trouxe para nossos pacientes e suas famílias, a ST Brasil pensou rapidamente em formas de ajuda-los. Criamos um projeto de telecare – no qual os nossos parceiros poderiam dar assistência aos pacientes de forma remota além de continuar com a realização das primeiras consultas, mas de forma virtual.
Esse projeto foi um grande sucesso! Nossos parceiros conseguiram manter as suas agendas de atendimento. Os pacientes foram assistidos e os pais se sentiram amparados num momento que seria tão preocupante, se não fosse o telecare. Pacientes de nutrição, fonoterapia, primeira consulta etc.. tiveram consultas e tratamentos sem sair de suas casas. Desde meados de abril, mais de 1.400 foram atendidos através de mais de 4.300 sessões. Durante esse tempo, recebemos inúmeras fotos de pacientes sorrindo, e mensagens de agradecimento dos pacientes.
Alguma anedota do Smile Train durante esse período que te trouxe um sorriso?
Muitos! Pois é comum que os parceiros me liguem para contar relatos e avanços de seus pacientes. um parceiro que esta fazendo telecare na área de fonoaudiologia, me disse que seus pacientes que moram longe do centro , estão rendendo muito no tratamento. São pacientes que, devido a distancia, iam poucas vezes ao centro. Agora, podiam fazer o tratamento uma vez por semana. isso os fez evoluir muito, e eles perceberam que podem transpor obstáculos, o que, consequentemente, ajudou muito na sua auto estima. Como não ficar feliz com histórias assim?
Como você vê o avanço da telemedicina na região? Qual é o papel do Smile Train nele?
Acredito que a telemedicina é uma tendência que veio para ficar. Foi algo que esse momento nos trouxe, e percebemos que é possível fazer muita coisa, e alcançar muitas pessoas através dela. No Brasill, creio que ela vai se fortalecer cada vez mais. A ST é uma organização que sempre está atenta aos acontecimentos e se adapta rápido. Creio que não será diferente com isso. Uma das principais preocupações que temos, enquanto organização, é na qualidade do tratamento que os pacientes recebem nos nossos centros parceiros. a ST preza pelos mais altos níveis de qualidade e segurança. Através da telemedicina será possível realizar webinar, aulas e treinamentos de forma muito mais frequente e alcançando profissionais de regiões remotas. Isso, num país tão grande como o Brasil é maravilhoso. Investir nos profissionais locais, capacitando-os através de aulas virtuais com os grandes nomes da fissura, de forma que esses locais se tornem também grandes conhecedores da técnica e possam continuar a trabalhar em prol de seus pacientes – isso é usar a tecnologia para verdadeiramente “ensinar um homem a pescar”
Como você vê progresso no tratamento abrangente de crianças com LPH no seu país? Como você vê isso em dez anos?
O tratamento da fissura é longo e multidisciplinar. Somente com o tratamento completo que o paciente consegue realmente ser reabilitado. A ST, por ter o objetivo no tratamento completo, tem criado programas de forma a auxiliar seus parceiros na realização desses tratamentos – como fono, orto, etc. Desde que esses projetos começaram, muitos pacientes começaram a entender a necessidade e importância dessas áreas. E o avanço já foi muito substancial. Hoje, temos relatos de pacientes falando que entenderam da importância dessas áreas.
Profissionais pedem por mais capacitação nesses temas. Nossos parceiros têm analisado seus protocolos como forma de ver o que pode ser melhorado, dentre outros. Isso tudo, por conta do avanço da conscientização do tratamento completo e multidisciplinar. Todos os nossos parceiros não so sabem da importância, mas trabalham com foco nesse tratamento multidisciplinar. Mas infelizmente ainda há muitos pacientes que não veem a importância do tratamento completo. Em 10 anos, espero que os pacientes tenham essa consciência.
De qual parte do seu trabalho você gosta mais?
Eu gosto muito de visitar os parceiros. Conhecer suas realidades e seus pacientes. Ver todo o seu esforço e trabalho em prol dos seus pacientes. E testemunhar nos centros e nos pacientes, o impacto do trabalho que fazemos aqui na ST. Diversos são os relatos sobre como ajudamos na compra de materiais seguros, capacitação de profissionais, ou como a ST foi chave para que os tratamentos de orto, fono ou nutrição podem ocorrer. Testemunhar isso é um privilégio. E so me dar mais energia e foco, para continuar crescendo em nossos programas – e dar a chance a cada paciente fissurado a possibilidade de uma vida saudável e produtiva. Existe trabalho que nos dá mais sentido do que esse?